Desde o início do ano, Capital registrou 1.921 roubos de veículos
Por GaúchaZH
O relógio marcava 9h05min. Uma advogada de 43 anos se preparava para deixar o carro e entrar em um evento no bairro Floresta, região central de Porto Alegre, quando subitamente foi abordada por um homem armado. Da direção do carro, acabou sendo empurrada para o banco traseiro do veículo, um Fluence. E ali começava o martírio que durou oito horas.
Do local do assalto, foi levada para um posto de combustível. Até então estava sozinha com um homem, que dirigia o carro. Para frustrar qualquer tentativa de fuga, a advogada recebeu alerta de um comparsa do homem. De dentro de outro carro, abanou para a mulher com uma arma em punho.
Mantida refém, foi obrigada a autorizar compras pelo celular em lojas de eletrodomésticos e materiais de construção. Foram gastos R$ 23 mil nesses produtos, colocados em outros três carros.
— Eles limparam minha conta. Gastaram o que nem tinha — conta.
O grupo era organizado e se comunicava via rádio. Obrigada a ficar com a cabeça baixa e as mãos para a frente, a advogada só ouvia os próximos passos dos criminosos. No posto de combustível foi colocada em novo veículo, com outros dois homens. Após circular de carro com eles, enquanto faziam as compras, foi levada a uma fábrica abandonada em Canoas.
Passadas mais de duas horas, foi novamente colocada em um carro, que seguiu pela freeway. Na estrada, os criminosos passaram a discutir o que seria feito dela.
— Eles falavam: “vamos ferrar ela” e eu nem sabia que ferrar era matar. Em seguida, falaram “a tia é boa, foi boa com a gente” — conta.
Na altura da estação Niterói do trensurb, em Canoas, a vítima foi libertada. Além dos R$ 23 mil, perdeu o carro, que nunca foi recuperado. Depois do crime, ficou seis meses praticamente sem sair do apartamento no bairro Bella Vista e engordou 15 quilos. Quando tentava sair de casa, passava mal e tinha ânsia de vômito no elevador. Para superar o trauma, fez acompanhamento psicológico e decidiu se mudar para Novo Hamburgo, no Vale do Sinos. Recentemente, voltou a dirigir, dessa vez com carro mais simples, para não chamar atenção dos ladrões. Agora, estaciona com cautela e põe a chave do carro dentro do sutiã.
— Hoje só vou em lugares que tenha alguém me esperando — relata.
O roubo de veículos não se restringe à advogada. GaúchaZH percorreu diferentes bairros de Porto Alegre em busca de histórias. E não foi difícil encontrá-las. Em cada rua, surgia relato diferente de um assalto: uma mulher que saía da academia, um homem que chegava a sua casa ou uma idosa que se preparava para visitar a filha.
Somados, segundo a Polícia Civil, foram 1.921 roubos de veículos em Porto Alegre. Os números são do começo deste ano até 10 de maio e correspondem a 22% de todos os registros de 2017 na Capital.
Os bairros Sarandi, Rubem Berta, Petrópolis, Jardim Itu-Sabará e Vila Ipiranga figuram nas primeiras posições a lista. O bairro Floresta, onde a advogada foi abordada, fica na sexta posição. Dos 10 bairros com maior incidência do crime, oito ficam na Zona Norte de Porto Alegre. Só Sarandi e Rubem Berta acumulam 32% do total de ocorrências.
De acordo com o titular da Delegacia de Furto e Roubo de Veículos (DRV), delegado Adriano Nonnenmacher, a maior incidência na Zona Norte se deve à facilidade de fuga da região:
— A região tem localização geográfica que favorece os criminosos, com autoestradas, grandes avenidas. São bairros populosos, é entrada da cidade e acaba facilitando a ação de ladrões que, às vezes, vêm de outras cidades, entram em Porto Alegre e fogem com o veículo — observa o policial.
Rubem Berta: Família foi alvo de ladrões duas vezes
Por duas vezes seguida em menos de meio ano, uma família se viu refém de ladrões de carro em Porto Alegre. Da primeira vez, mãe e filho de seis anos foram abordados por criminosos ao saírem do condomínio no bairro Rubem Berta, zona norte da Capital.
O crime ocorreu em outubro do ano passado. Os dois foram mantidos reféns no carro na mira de uma arma. A um quilômetro do prédio, foram liberados. O carro foi levado e acabou sendo recuperado em Viamão, mas o trauma do crime ainda persiste.
— Minha mulher não saí mais de carro à noite — conta um empresário, de 37 anos.
O outro caso ocorreu em fevereiro deste ano. O empresário chegava ao prédio e, quando ainda estava manobrando o carro, teve a frente do automóvel fechada subitamente por outro veículo. De dentro, desceram homens armados com pistolas.
— Eles gritaram “perdeu, perdeu”. Larguei o carro no meio da rua e sai correndo com a chave. Eles não conseguiram levar o veículo — relata o homem.
Mas a história não para por aí. Dono de um trailer de lanches, o empresário amargou uma perda de 80% no faturamento do negócio devido à violência no bairro Rubem Berta. Com medo, a clientela deixou de se arriscar a ir à pé ou de carro buscar o lanche. E não era por menos: em seis meses mais de 50 pessoas foram assaltadas no entorno do trailer – alguns tiveram inclusive o carro levado. O movimento no comércio minguou e agora o ponto está com os dias contados, prestes a ser fechado.
— Hoje só paga o salário do funcionário — conta o empresário que abriu outro ponto na Avenida Assis Brasil como alternativa de negócio, considerado hoje mais lucrativo.
Após os crimes, a família pensa em deixar o bairro.
— Depois de ver ou ser assaltado acaba a tranquilidade. A gente pensa em se mudar. Vender o apartamento aqui e ir para outro lugar. Não dá mais — desabafa o homem. Leia a notícia completa.
Foto: Fernando Gomes / Agencia RBS