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Marcas tentam minar carros elétricos importados sem dar opções nacionais

Pressão para que alíquota de 35% sobre importação de elétricos e híbridos cria divisão no mercado

Por AutoEsporte

Fabricantes instaladas no Brasil seguem pressionando o governo para que o imposto de importação de carros híbridos e elétricos volte diretamente ao patamar de 35%, em vez de seguir o cronograma anunciado no final de 2023. Márcio de Lima Leite, presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), elevou o tom e disse que, caso não haja uma mudança, a indústria automotiva do Brasil pode parar.

“Se o Brasil não rever isso imediatamente, nós corremos o risco de ter a produção com impacto, inclusive com o fechamento de fábricas já no segundo semestre”, afirmou. Atualmente, nenhuma marca com fábrica em operação no Brasil produz carros elétricos em solo nacional.

Imposto sobre gradualmente

Desde o dia 1º de julho a alíquota é de 18% para elétricos, 20% para híbridos plug-in e 25% para híbridos sem recarga externa. A nova previsão de alta é somente em julho do ano que vem, com a chegada ao teto de 35% somente um ano depois, em 2026, o que gerou insatisfação entre os fabricantes.

Para Emanuele Cappellano, presidente da Stellantis na América do Sul, antecipar o imposto de importação total fará a competição mais justa. “Queremos garantir a competição igual. Imposto seletivo é uma escolha do governo. O interesse da indústria é que o imposto seja igual para todos e que não tenha vantagem competitiva, especialmente para quem não produz aqui.”

Importadoras discordam

Já a Associação Brasileira das Empresas Importadoras e Fabricantes de Veículos Automotores (Abeifa) discorda e diz que apoia a previsibilidade nas políticas industriais do setor automotivo brasileiro.

Para a entidade, políticas protecionistas como essa antecipação dos impostos não trazem benefícios ao Brasil e lembra que nos anos 1990, a abertura do mercado interno para veículos importados trouxe novos fabricantes para o Brasil.

“Nos encontramos na iminência de ter um grave retrocesso do setor automotivo brasileiro”, disse Marcelo de Godoy, presidente da Abeifa, em nota. Para ele, “medidas protecionistas ou barreiras alfandegárias artificiais são sempre ineficazes”.

“A médio e longo prazos, são prejudiciais a toda a cadeia automotiva e em especial ao Brasil. As importações, além de regular o mercado interno por meio da competitividade de tecnologias e de preços, desafiam as montadoras locais a melhorar seus próprios produtos e ao aumento efetivo das exportações, o que vale dizer que a competitividade coloca em xeque a indústria local”, afirmou Godoy.

Sem investimento em elétricos

E, de fato, enquanto fabricantes pleiteiam a antecipação de impostos, ficam longe da produção de carros elétricos nacionais, deixando que as chinesas façam isso, com o anúncio de fábricas da BYD e GWM, por exemplo. O CEO da Stellantis na região ainda disse que a produção local depende de uma demanda maior desse tipo de veículos.

“Podemos acelerar a produção nacional de elétricos, mas é muito difícil para as fabricantes investirem em produzir localmente [carros elétricos]. Para a Stellantis, temos uma forte presença na região, com seis fábricas e uma cadeia de suprimentos extensa. Então, nossa preferência será sempre usar fornecedores locais”, afirmou Capellano.

Em agosto de 2023, quando apresentou as plataformas Bio-Hybrid, a Stellantis disse que, em algum momento, produziria elétricos no Brasil.

“Vão sempre existir fabricantes omissas na questão do desenvolvimento. Foi quando a questão dos carros elétricos começou a criar um corpo um pouco maior é que elas começaram a se mexer. E por que não fizeram nada antes? Então, esse é o que, esse é o questionamento que eu acabo levantando”, disse o consultor Milad Kalume Neto, que defende que as regras devem ser seguidas como foram estabelecidas.

A Toyota é a única marca que produz veículos híbridos no Brasil, os médios Corolla e Corolla Cross. E, mesmo com quase R$ 80 bilhões em investimentos anunciados só em 2024, deve levar algum tempo até que as fabricantes mais tradicionais coloquem no mercado modelos eletrificados produzidos por aqui.

A Stellantis, dona de marcas como Fiat, Jeep, Peugeot e Citroën deve lançar versões micro-híbridas ainda esse ano, mas a tecnologia tem menor complexidade e eficiência energética. No caso da Volkswagen, o lançamento deve acontecer apenas em 2027, assim como o da Renault.

No ano seguinte, a Honda trará seu sistema híbrido flex. A Chevrolet recentemente afirmou que terá híbridos, mas não deu prazo para que isso aconteça. É possível que seu primeiro produto micro-híbrido chegue entre 2025 e 2026.

Além disso, até agora, nenhuma fabricante cravou quando irá produzir carros elétricos no Brasil, além das chinesas (e hoje importadoras) BYD e GWM.

Quebra de regras

A Associação Brasileira de Veículos Elétricos (ABVE) segue a mesma linha da Abeifa e não só se posiciona contra como também acredita que a antecipação não ocorrerá. Para o presidente da entidade, Ricardo Bastos, o pedido foi feito por empresas incomodadas com as vendas dos carros elétricos.

“Obviamente a gente não concorda, a gente acha que esse é o tipo de proposta é uma quebra de regra. Nós entendemos que já há um cronograma de restabelecimento das alíquotas e que vai chegar a 35% em 2026. Qualquer mudança agora, dentro desse período muito curto, entendemos que seria uma quebra de contrato e nós acreditamos que o governo federal não vá fazer isso. Isso é um pedido, obviamente, de algumas entidades ou empresas ligadas a veículos da combustão que estão muito incomodadas com as vendas de eletrificados no Brasil”, afirmou.

“O que eu acho é que deveria ter o estabelecimento da regra do jogo bem clara e já teve, só que eles querem mudar essa regra do jogo. E eu sou contrário a isso porque você precisa, a partir do momento que você tem uma definição do que fazer e como fazer, seguir isso até o final”, disse Kalume.

Foto: Getty Images/Lars Penning