Todos os dias, 82 pessoas morrem em acidentes de trânsito, mas esse fato parece natural para parte da sociedade
Por AutoEsporte
Acidentes com aeronaves são tão trágicos quanto os de automóveis. Mas por que as mortes no trânsito não têm a mesma repercussão e não nos mobilizam tanto quanto as dos acidentes aéreos? O trânsito brasileiro mata cerca de 82 pessoas por dia.
É como se um ATR-72, a aeronave da Voepass que caiu em Vinhedo no começo de agosto, despencasse a cada 24 horas. E, no entanto, as fatalidades diárias sobre rodas não são pranteadas na mesma proporção — só ganham manchetes quando envolvem “carros de luxo” dirigidos por “empresários”. Acidentes com carros comuns, guiados por gente comum, deixaram de ser notícia, tornaram-se banais.
As estatísticas mostram que a probabilidade de um avião cair é de 0,000017%, o que significa um acidente a cada 351 mil decolagens. A chance de alguém morrer em um acidente aéreo é de uma em 11 milhões, de acordo com estudo divulgado em 2017 pela Escola de Medicina de Harvard.
Os riscos são (bem) maiores em terra firme: segundo o estudo, a possibilidade de alguém não sair com vida de acidentes de automóveis é de uma em 5 mil. Os dados, vale ressaltar, levaram em conta o número de vítimas fatais nas estradas dos Estados Unidos (37.461 mortes em 2016, época em que a pesquisa foi feita). Mas nos dão ideia aproximada do risco em cada uma das situações.
Por óbvio, as estatísticas não levam em conta a proporção numérica entre carros e aeronaves. Há mais carros que aviões. No Brasil, rodam perto de 60,4 milhões de veículos de duas e quatro rodas; já as aeronaves, entre aviões e helicópteros, somam 9.824. Porém, um fator explica por que o avião é mais seguro do que o automóvel: protocolos de prevenção de riscos.
Para tirar um avião do solo, piloto e copiloto são obrigados a checar cada componente vital da aeronave, procedimento que pode envolver até 82 verificações no caso de um Airbus A320.
Só para chegar até o cockpit, o piloto enfrenta um ano de curso teórico, até 1,5 mil horas de voo e é submetido a um rigoroso exame clínico e psicológico para conseguir seu brevê. Em sete anos, em média, ele estará apto a comandar um Airbus A380, maior avião comercial hoje em operação.
As rotas, que são as estradas virtuais percorridas nas alturas, são monitoradas por uma rede de controladores de voo, especialistas altamente treinados para a função. E, em tese, a aeronave é submetida a inspeções a cada cem horas de voo. Cada acidente — ou incidente — é investigado e resulta em relatórios que circulam por todo o mundo para prevenir ocorrências similares.
Agora vamos voltar a colocar os pés no chão. Para conseguir uma carteira de habilitação (CNH) no Brasil, os únicos requisitos são ter 18 anos e ser semialfabetizado. Os Centros de Formação de Condutores ou autoescolas não formam e os exames médicos obrigatórios não examinam.
Em meu teste psicotécnico, as questões vieram acompanhadas de um gabarito com as respostas corretas. E o recém-habilitado já pode começar a acelerar um carro de 500 cv ou uma moto superesportiva. As estradas são mal sinalizadas e malconservadas. E sempre se pode apelar para uma gambiarra para manter o carro rodando. Não é difícil entender por que o Brasil ocupa a quarta posição no ranking global de mortandade no trânsito.
A propósito, caro motorista: checou a calibragem dos pneus do seu carro antes de dar a partida?
Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil