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Proteção veicular: a sociedade civil organizada e as seguradoras

Por Leonardo Quintão – Deputado Federal (MDB)

 

O objetivo deste artigo é demonstrar como a sociedade civil está carente de soluções práticas para resguardar o patrimônio, mediante diluição de riscos em associações, e como estas entidades possuem respaldo para continuar funcionando, tanto da legislação brasileira como dos representantes eleitos pelo povo.

Antes de adentrar no tema especificamente, cabe uma brevíssima abordagem sobre a relação do setor público e da iniciativa privada no Brasil.

De uma forma bem resumida, a riqueza de um país é gerada pela produção de dois setores: da sociedade, com as empresas privadas, e do poder público. Assim sendo, de um lado a economia nacional é movimentada pela livre iniciativa de investidores e de famílias ao redor de empreendimentos privados e, de outro, pelo investimento público e produção de bens e serviços pelas empresas estatais. E essa realidade não pode ser ignorada.

Todavia, o setor público, no exercício do poder de regulamentar, acaba por adotar uma postura de supremacia, que invade a seara de diversas formas da própria sociedade civil se auto-organizar e se auto-proteger, ou ainda, o poder público pretende criar certo contexto econômico ou jurídico, no qual apenas ele possa ofertar soluções à sociedade, realidade injusta com centenas de iniciativas privadas que são ou serão proibidas de funcionar e com milhares de pessoas que perderão a oportunidade de terem acesso aos sistemas de proteção veicular.

NORMATIZAÇÃO

Com efeito, o setor público possui a prerrogativa regulatória que é de normatizar, isto é, criar leis e normas para regulamentar uma atividade econômica e também fiscalizar e multar. Diante deste cenário, poderíamos perguntar: então as empresas e as iniciativas privadas, como associações e cooperativas, estão reféns desse poder regulamentador do Estado? Não! O limite do poder de normatização do Governo está previsto na Constituição.

Daí surge outra pergunta: quem ou que pessoa pode, então, evitar que o poder regulatório do Estado invada a livre iniciativa e venha a inibir a livre organização e o livre empreender do cidadão? Isto é, quem pode fazer valer a Carta Magna do Brasil na prática? A resposta para essas duas perguntas é: o deputado federal eleito pelo povo. O parlamentar é quem, nos trâmites burocráticos do Congresso, faz a vez e a voz de seus eleitores e defende os direitos deles à luz da Constituição.

Portanto, a capacidade do Governo de produzir leis, regulamentos, etc., não é ilimitada. O limite é a Carta Magna na franca atuação do deputado federal. Dito isto, vejamos o que diz a Constituição.

Já no primeiro artigo está escrito que é fundamento de toda a ordem brasileira a valorização social da livre iniciativa. Logo, é alicerce de toda a República Federativa do Brasil dar valor para as iniciativas da sociedade. De igual modo, o artigo 170 também traz que a ordem econômica é fundada na valorização da livre iniciativa. Ora, em dois artigos a Carta Magna diz que a base, o alicerce de Brasil e da sua economia é a livre iniciativa. Logo, temos um valor explícito que é um limite ao poder regulatório do Estado: a livre iniciativa não pode ser coibida; pelo contrário, deve ser incentivada.

LIBERDADE DE ASSOCIAÇÃO

Outro ponto relevante é o status de direito e de garantia fundamental do cidadão de que a associação tem na ordem constitucional. Vale citar o artigo 5º, XVII, que assegura a plena a liberdade de associação para fins lícitos. E ainda o artigo 5º, XVIII, que trata sobre a criação de associações e de cooperativas independentemente de autorização, sendo vedada a interferência estatal no funcionamento. E, por fim, o art. 5º, XXI, que estabelece que as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente.

Dessa forma é fácil perceber que a Constituição garante a liberdade de se associar, que o Estado é proibido de interferir no seu funcionamento e que ela poderá representar seus filiados tanto na justiça quanto fora dela. Assim sendo, se a associação possui, dentre outros fins, a finalidade de rateio de custos de um associado que foi acometido por um imprevisto sobre o seu bem, no meu entendimento, é legítima e constitucional o funcionamento desta entidade.

De igual modo o Código Civil prevê a legalidade da união de pessoas que se organizam em associações para fins não econômicos, o que a doutrina e a jurisprudência consagraram como sem fins lucrativos. Ora, se certo grupo se organiza numa entidade associativa e, mediante autogestão, cria um círculo de ajuda mútua de seus associados integrantes, não há que se falar de atividade econômica de seguro, mas sim de autoproteção do patrimônio dos associados. E é um fim legítimo e constitucional todas as pessoas protegerem o seu bem como também se unir a outras para o mesmo fim.

Colabora com esse entendimento o Enunciado n° 185, aprovado na III Jornada de Direito Civil, promovida pelo CFJ (Conselho da Justiça Federal), que dispõe: “a disciplina dos seguros do Código Civil e as normas da previdência privada que impõem a contratação exclusivamente por meio de entidades legalmente autorizadas não impedem a formação de grupos restritos de ajuda mútua, caracterizados pela autogestão”.

Assim sendo, a atividade das seguradoras é assumir por si mesma o risco da perda de valor ou perecimento de um bem do segurado. Noutro lado, as associações não assumem risco por si, mas sim os seus associados, que colaboram mutuamente na diluição do prejuízo patrimonial sofrido por um dos membros. Portanto, são atividades distintas, apesar ainda dos órgãos reguladores entenderem que são iguais e concorrentes.

Ademais, no caso das seguradoras, quanto menor os eventos dos sinistros, maior o seu lucro. Já no caso das associações de proteção veicular, a menor incidência de sinistros beneficia direta e exclusivamente aos associados que, nesta perspectiva, arcam com um valor reduzido das indenizações por meio de rateio. Novamente, outra característica na seara da “lógica do empreendimento” que distingue bem ambas as atividades.

Conclui-se que coibir a atividade das associações de autoproteção veicular é inconstitucional e ilegal. Buscar no Congresso Nacional criar mais leis para impedir o cidadão de ter uma alternativa para proteger seu patrimônio é, no mínimo, tentar enfraquecer a livre iniciativa e o direito de propriedade, o que é claramente inconstitucional. Daí que cabe nesse momento tão crítico a sociedade civil se unir aos seus deputados e aos legítimos representantes para coibir mais essa ação que visa tão somente retirar direitos do cidadão brasileiro.

Foto: Leonardo Prado – Câmara dos Deputados